ANÁLISE DO ARROCHA DA RESENHA
Uma análise narrativa/contística¹ de uma mente febril, completamente séria e equivocada da letra da música Resenha do Arrocha (2024), de J. Eskine.
Primeiramente, vou lançar um pronunciamento aqui antes, né / Que na Bahia o que bate é maluquice / Então, eu vou lançar de maluquice aqui / Se for pra me escutar e levar a sério, nem escute
No começo da obra, o eu lírico (vou apelidá-lo de “Jota”, para facilitar) já avisa que aquilo que o pessoal gosta na Bahia é de maluquice e então decide lançar uma maluquice. Nesse momento, ele abre mão de toda sua normalidade e se prepara para uma aventura fantástica.
Ao pedir para nós nem escutarmos, caso fossemos ouvir a música com um certo grau de seriedade, conseguimos perceber que Jota está abrindo mão de todas as amarras da sociedade e está indo atingir a curtição máxima, o nirvana, a tal da “maluquice”.
É, a parada é essa / Eskine, o gângster do arrocha / Bota a peça pra cima, tô brincando, calma
Jota se apresenta como “Eskine”. Afinal, Jota se chama J. Eskine (pelo menos pseudônimicamente¹).
No último verso, fica claro que Jota está no meio de uma partida de um board game. A partida acontece no quarto de Jota que possui uma cama de casal, um cantinho que ele usa de escritório e uma espada presa na parede. Já o jogo definitivamente possui peças. Como ele pede pra levantar a peça, imagino que o jogo possui peõezinhos, mas nada impede ele de ter cartas também. Afinal, isso é muito comum em board games.
Como ainda não é a vez dele jogar nessa rodada, ele acelera os movimentos de um de seus colegas, “Bota a peça pra cima!”, mas reforça que tá de brinks. O trash talk² deve estar rolando solto durante a jogatina.
É arrocha, vamo descolar / Alô, Levi, alô, DDL, assim, ó / Ó, pega
O jogo fica quente e Jota começa a se movimentar! É arrocha!
Ele chama a atenção do seu time, Levi e DDL (esse deve trabalhar com T.I.) e apresenta sua estratégia. Com apenas duas jogadas, Jota leva seus companheiros para muito perto da vitória. Tudo que ele precisava era descer a carta que ele segurava.
Solta a carta, caralho, tigrinho filha da puta / Pra eu pegar o meu dinheiro e comer umas quatro puta / Solta a carta, caralho, tigrinho filha da puta / Pra eu pegar o meu dinheiro e comer umas quatro puta / É vuk-vuk, vuk, vuk na onda maluca / É vuk-vuk, vuk, vuk, yeah / É vuk-vuk, vuk, vuk na onda maluca / É vuk-vuk
Solta a carta, tigrinho, vai / É vuk-vuk, vuk (quê?), vuk na onda maluca / É vuk-vuk, vuk, vuk, yeah (ó o naipe) / É vuk-vuk, vuk (quê?), vuk na onda (é) / É vuk-vuk, vuk
Jota é surpreendido quando, de repente, um tigre filho da puta aparece no meio de sua grande jogada, provavelmente pulando o muro de sua casa, logo em seguida, escalando a árvore do quintal e se jogando pela janela, bem no quarto onde a partida ocorria.
Como todo mundo sabe, tigres são animais que adoram agarrar cartas e até outros tipos de pedaços de papeis refilados. Animais amantes das artes gráficas. Ao invadir a jogatina, o tigre logo surrupiou a carta que traria a grande vitória para Jota e seu time. O tigre não largava a carta por nada! Sabia que eles são capazes de carregar 500 quilos? Tanka³!
Junto com a invasão do tigrinho, também descobrimos que o jogo valia uma grana e, que se Jota não resolvesse a situação, ele não iria conseguir mais nem comer umas quatro putas. Imagino que puta seja alguma iguaria desconhecida por este que vos escreve. Talvez um tipo de salgado?
Enfim, como o filho de uma puta do animal não desistia da cartinha que tinha roubado, a confusão começa e uma grande luta desencadeia naquele quarto. Vuk-vuk, é soco pra lá, vuk-vuk, arranhadas pra lá, vuk-vuk, mordidas acolá, uma onda maluca de raiva e desespero invade Jota e seus convidados.
Um dos adversários do outro time até se aproveita da confusão para dar uma espiada no tipo de carta que o bicho segurava. “Ó o naipe”. Mesmo lutando por sua vida contra um animal daquele tamanho, o cara queria encontrar uma maneira de combater a estratégia infalível de Jota!
Assim, ó, papo de guia / Ela roça no pau, roça no pau / Ela roça no pau, roça no pau / Não me leve a mal, não me leve a mal / Toma sequência (eita), sequência de pau, sequência de pau / Sequência de pau, sequência de pau / Sequência de pau, sequência de pau / Sequência de pau, toma sequência (ih), sequência tome / Sequência de pau (arrocha), sequência de pau / Um naipe com arrocha, vai, oh, sequência de pau / Sequência de pau, sequência de pau / Toma sequência
No meio da treta toda com o tigrinho, pela mesma janela que o bicho tinha pulado, surge uma pessoa meio vestida de Indiana Jones, o que pode ter confundido Jota e feito ele ter identificado essa pessoa como um guia, mas provavelmente era um funcionário do zoológico, um cuidador, sei lá o nome.
O “guia” todo esbaforido, devia estar correndo a um bom tempo atrás do filho da puta e quando finalmente o encontra ele está saindo na mão com seis pessoas em um quartinho. No meio de sua afobação, ele começa a gritar “Ela roça no pau, roça no pau!!”. Que surpresa! Era uma tigrinha fêmea filha da puta no final das contas!
Com esse aviso, Jota não perdeu tempo e encontrou um pedaço de pau que estava impedindo a porta de fechar com o vento. Ele soltou um assobio e deixou o pedaço de pau encostado na parede. A tigresa logo perdeu o interesse na briga e na carta do jogo e foi correndo em direção ao pau. Ela adorava coçar suas imensas costas naquela coisa.
Os ânimos da fera e dos jogadores se acalmaram. Eles logo voltam para sua partida que havia sido interrompida e Jota finalmente faz sua jogada vencedora e começa a cantar vantagem sobre seus adversários.
Ele, Levi e DDL começaram a provocar os outros cantando “Não me leve a mal, não me leve a mal, toma sequência (eita), sequência de pau!” e todo o resto da estrofe. Agora era festa!
Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no ar / Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no ar / Faz um passinho do romano, faz aquela sarrada no ar / Faz um passinho do romano, mais aquela, vai / Tchu, ei
Tchu-tchu-tchu-tchu / Tchu-ru-ru-ru / Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no tchu / Tchu-ru-tchu-tchu / Tchu-ru, uh / Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no tchu (ei) / Tchu-ru-tchu-tchu / Tchu-ru / Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no tchu (ei)
A festa da vitória bombava. Jota no microfone cantava. Levi e DDL cuidavam tanto do som, quanto da entrada de pessoas no quarto. O time adversário e, agora, perdedor afogava suas frustações com diferentes bebidas alcóolicas. A tigrinha já tinha cansado de coçar suas costas no pedaço de pau e agora perseguia algumas pessoas azaradas que entravam no quarto sem terem sido convidadas. O guia que já nem lembrava mais que estava ali para recuperar a tigresa para o zoológico, já tinha mandado tudo pro caralho e não só avisou da festa no quartinho de Jota para todo o pessoal da cidade, como também pediu as bebidas e aperitivos pelo delivery.
Jota cantava, dançava e chamava a galera pra zuar com ele. Até o antigo ditador Júlio César (César para os mais íntimos) apareceu na festa acompanhado de seus amigos mais novos, Calígula e Nero. Jota avistou o trio mandando passinhos quentes (menos Nero, seus passos eram cringes⁴) e começou a entoar o canto “Faz um passinho do romano, mais aquela sarrada no ar”. Puta festa boa.
Vou lançar a gerente aqui, ó / Assim, ó, ó / Dancinha do Manoel, batedeira invertida / Olhou pro lado, parou / E naipe, tchu-du-tchu, tchu-du-tchu / (Hum) e naipe, tchu-du-tchu, tchu-du-tchu / Naipe, tchu-du-tchu, tchu-du-tchu / Olhou pra cara da amiga, deu risada sem graça / Não quero, cala a boca agora / E dê-lhe, e puxe, e pegue, e naipe / Naipe-naipe, e naipe-naipe / E naipe, naipe-naipe / E naipe-naipe / E naipe, naipe-naipe / E naipe-naipe / E naipe, naipe-naipe / E naipe-naipe / E naipe
Jota, depois de agitar o rolê com seus manos César, Calígula e Nero; ficou tão empolgado que arremessou a tigresa que passava perto dele perseguindo um casal pra multidão com suas próprias mãos. “Vou lançar a gerente aqui, ó”. A bicha praticamente num stage dive⁵ por acidente. Ela acabou parando na cabeça de Manoel, conhecido como Batedeira Invertida, porque seu rosto parecia uma batedeira de ponta cabeça.
Desesperado com um animal daquele tamanho agarrado em si próprio, Batedeira se debatia inteiro, enquanto a tigrinha o arranhava e mordia, estressada pelo desacato de Jota ter a arremessado tão longe.
Mas a felina logo deixou Batedeira em paz quando ela olhou para o lado e percebeu que duas artistas circenses entravam na festa pela janela do quarto, trajadas com tops e shorts, calçando longas pernas de pau. A tigresa saiu em disparada e foi roçar mais uma vez o seu corpo enorme, mas dessa vez nas pernas das moças.
Uma delas olhou para a amiga, deu uma risada sem graça e tentou se distanciar da bichona, mas a gigante não queria parar e puxou as pernas de pau, jogando as moças pra fora da festa pela porta do quarto.
As moças depois de rolarem escada abaixo, chegaram na sala da casa de Jota e começaram a se perguntar: “Como é possível uma festa daquele tamanho estar acontecendo em um quartinho de doze, quinze metros quadrados?”.
Bota assim, ó, berg / Te boto na cama te soco a banana, o que é que tu faz? / Eu tu te boto na cama, te soco a banana, o que é que tu faz? / Eu te boto na cama, te soco a banana, o que é que tu (e ela faz, ó) / Se eu te boto na cama, te soco a banana, o que é que tu faz? / Me bo— (ó, lá ele) / Te boto, vai (toma) / Te boto, tu vai, te boto, tu vai / Te boto, tu vai / Te boto, tu vai, te boto, tu vai, te boto, tu vai / Te boto, tu vai, te boto, tu vai, te boto, tu vai / Ui, vai ser só pau nas candjanga / Só pau nas candjanga, vai ser só pau nas candjanga / Só pau nas candjanga, vai ser só pau nas candjanga / Pau nas candjanga, vai ser só pau nas candjanga / Nas candjanga
Jota deu uma pausa na sua cantoria nessa festa. Ele também queria curtir. Aliás, foi a sua estratégia que trouxe a vitória e motivo pra celebrar.
Ele acabou encontrando seu bróder Werner Heisenberg trocando uma ideia com o guia. Finalmente entendendo que o guia, não era um guia e sim um zootecnista, Jota também percebeu que cada um dos dois segurava um chimpanzé no braço.
“Esses são chimpanzés Candjanga. De onde eles vieram, é normal encontrá-los batalhando, usando como armas bananas nanicas” - disse o zootecnista.
Jota então ficou observando a incrível batalha de bananas nanicas. O especialista ensinava Heisenberg a preparar o seu macaco. Logo a batalha começou e os dois humanos começaram a se provocar. Parecia que os Candjanguinhas entendiam o que seus técnicos berravam e davam sua vida numa luta feroz, emocionante e cheia de potássio.
Rala a xereca no Playba / Calma, vida, tá de boa / Rala a xereca no Laizzao / Calma, vida, tá de boa / Rala a xereca no Donk / Calma, vida, tá de boa / Rala a xereca no Alê / Calma, vida, tá de boa / La-la-la-la, tá de boa / Rala a xerequinha no coroa, porra, no coroa / Rala no coroa, porra, no coroa / Joga no coroa, porra, no coroa / Joga no coroa, porra, no coroa / Joga no coroa, porra, no coroa / Joga no coroa, porra, no coroa / Joga no coroa, porra, no coroa
A festa já tinha perdido as estribeiras. Os amigos romanos já estavam alucinados de vinho e discutiam maneiras de reconstruir um império Baiano. Heisenberg e o zootecnista agora se batiam usando bananas, enquanto os chimpanzés gritavam e apontavam, como se as duas duplas conversassem no mesmo idioma. Aqueles que jogaram o board game já tinham se retirado. Batedeira Invertida sangrava até perder a consciência num canto esquecido. A tigrinha filha da puta dormia, feliz e exausta de tanto coçar suas costas.
Jota já não entendia mais nada que estava acontecendo. Talvez fosse as cinco doses de dreher⁶ com fanta laranja que ele bebia desde quando seu show tinha acabado, talvez fosse apenas muita informação pra assimilar.
Foi quando Xereca, a melhor dançarina do bairro, mudou a playlist e puxou todo mundo para um bom e velho rala coxa. Ela dançou com Playba, Laizzao, Donk e Alê, amigos de Jota que o apelidaram de “coroa”, já que o cantor era alguns pouquíssimos meses mais velhos que os quatro. Alê, depois de fazer a moça dar uma última rodopiada, passou ela para Jota que logo pegou o ritmo da dança.
É / Quando eu transo com ela é uma zoada do carai / A noite toda é uma zoada do carai / Quando eu pego de jeito é uma zoada do carai / A noite toda é uma zoada do / Ai, ai-ai, oi / Ai, ai-ai / Ai, ai-ai / A noite toda é uma zoada do carai / Ai, ai, ai, ai / Ai, ai-ai / Ai, ai-ai / A noite toda é uma zoada do carai
Depois de muita dança, Xereca acabou soltando a mão de Jota que foi rodopiando sem saber onde ia parar. Até que ele descobriu. O cara trombou em Ana Maria, conhecida como a “cangaceira da geração Z”, “a pistoleira do Insta”, “a assassina de aplicativo”. Jota devia uma grana pra ela. Esse era o motivo dele querer tanto vencer o board game e receber o dinheiro que estava (hehe) em jogo. No fim, eles acabaram gastando a grana do jogo pra fazer a festa acontecer.
Ele tentava renegociar (ou transar, pra quem não conhecia este significado, safadinhos!!) essa dívida, mas Ana Maria não dava ouvidos. Eles ficaram um bom tempo conversando, parecendo até que a noite toda estava passando, indo embora. Ai, ai, ai.
Ela quer pegar na minha espada, ela quer pegar na minha / Ela quer pegar na minha espada, ela quer pegar na minha / Ela quer pegar na minha espada, ela quer pegar na minha / Ela quer pegar na minha espada, ela quer pegar na minha
Ana Maria perdeu a paciência. Mesmo depois de uma noite e uma madrugada inteira, o som da festa ainda explodia alto das caixas de som para seus ouvidos treinados para escutar o inimigo mais silencioso.
Logo começou um quebra pau. Ela expulsou todos os festeiros, quebrou os equipamentos de Jota e até do tigre conseguiu se livrar só na base do grito. Com o quarto vazio, a pistoleira agora tentava pegar a espada presaa na parede do quarto.
Os dois brigaram ferrenhamente para decidir quem ficaria com a espada no final e ter uma vantagem na confusão, mas Ana Maria levou a melhor. Ela derrubou Jota e apontou a espada para o rosto dele. A ponta bem no meio dos olhos.
Quando ia acabar com a dívida do rapaz com sangue, Ana Maria percebeu que a espada era uma famosa arma amaldiçoada, forjada com um metal raríssimo por um ferreiro eremita nômade. “Como esse idiota conseguiu uma maravilha dessas?” - pensou a cangaceira.
A dívida está paga. Ana Maria poupou a vida de Eskine e foi embora. No quarto, agora só ele estatelado no chão. Um pouco aliviado.
Chegou sexta-feira, é dia de se alinhar / Pega o barbeador e começa a raspar / Deixa eu ver, deixa eu ver se tá lisinha / Deixa eu ver, deixa eu ver, tá raspa— / Hum, deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspa— / Deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspa— / Deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspada / Deixa eu ver se tá li—, deixa eu ver, tá raspadinha / Deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspa— / Deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspada / Deixa eu ver se tá lisinha, deixa eu ver, e tá raspadinha / Deixa eu ver, tá lisinha
O alarme de Jota apitava no bolso. Sete horas da manhã mostrava no seu celular. Sexta-feira. Dia de se alinhar.
Depois de uma quinta-feira cheia de maluquice, agora chegava a sexta-feira. O cantor precisava se ajeitar para seu show e outros compromissos agendados pelo seu empresário Alef.
Jota foi ao banheiro, pegou seu barbeador e começou a raspar sua barba baixinha. Sempre passando a mão pra ver se tinha saído tudo, se sua cara tá lisinha, tá raspadinha.
¹Contística/Pseudônimicamente: essas palavra não existem. Eu acho. Eu que inventei.
²Trash talk: ficar azucrinando o seu adversário pra deixar a rivalidade aflorar. Uma vez jogando Mario All-Star no aniversário do Marcão, eu fiquei a partida inteira provocando todo mundo e quando eu roubei as estrelas do Julinho, ele perdeu a linha. Trash talk é uma arma muito poderosa.
³Tanka: esposa do tanque.
⁴Cringes: não saber o que é cringe, é cringe.
⁵Stage dive: quando você tá num show e pula do palco, tá ligado? Não me atrevo a fazer um desde quando bati o cóccix e fiquei com ele doendo por um mês.
⁶Dreher: é um conhaque brasileiro. A marca foi criada em 1910, mas anos depois foi comprada por empresas estrangeiras e aí acabou se tornando a famosa frase “Deu duro? Tome um Dreher!”. Essa porra fica uma delícia com refrigerante de guaraná ou um chá de pêssego industrializado, tá ligado?
EDIT, 26/01, 16h18: hoje de manhã eu descobri que “contística” é uma palavra que existe. Significa “estudo do conto como gênero”. Então tecnicamente não só usei uma palavra que existe, como ainda apliquei no sentido certo. Fala dele!